Catecismo

O que significa “não jogar pérolas aos porcos” em Mateus 7,6?

por Thiago Zanetti em 25/08/2025 • Você e mais 44 pessoas leram este artigo Comentar


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Tempo de leitura: 6 minutos

A frase “Não deis aos cães o que é santo, nem jogueis vossas pérolas aos porcos” (Mateus 7,6) é uma das mais emblemáticas do Sermão da Montanha. Seu significado, porém, nem sempre é claro à primeira vista. O que seriam as “pérolas”? Quem são os “porcos” e os “cães”? E por que Jesus usou essa linguagem tão forte?

O versículo na íntegra e seu contexto

Mateus 7,6 diz:

“Não deis aos cães o que é santo, nem jogueis vossas pérolas diante dos porcos. Pois estes, ao pisoteá-las se voltariam contra vós e vos estraçalhariam.” (Mt 7,6)

Este versículo está inserido no Sermão da Montanha, logo após Jesus ensinar sobre o julgamento alheio (“Não julgueis, para não serdes julgados”). Ele parece fazer uma pausa e trazer um alerta importante: nem tudo deve ser entregue a qualquer um, principalmente quando se trata de algo sagrado.

O simbolismo de “santo”, “pérolas”, “cães” e “porcos”

Na cultura judaica do tempo de Jesus, cães e porcos eram vistos como animais impuros. Os cães, ao contrário dos pets modernos, geralmente viviam soltos nas ruas, alimentando-se de lixo. Já os porcos eram considerados impuros pela Lei de Moisés (cf. Levítico 11,7). Associar pessoas a esses animais indicava uma falta de respeito ou abertura para o que é sagrado.

  • O que é santo: refere-se àquilo que pertence a Deus, como os ensinamentos do Evangelho, os sacramentos, os dons espirituais.
  • Pérolas: são imagens de coisas preciosas, como as verdades do Reino de Deus (cf. Mt 13,45-46).
  • Cães e porcos: representam pessoas que zombam da fé, rejeitam abertamente a Palavra de Deus ou têm o coração endurecido.

Ou seja, Jesus nos ensina que há situações em que não se deve entregar aquilo que é sagrado a quem não está disposto a recebê-lo com reverência e abertura.

A sabedoria da prudência evangelizadora

Essa passagem não nega a missão evangelizadora da Igreja, mas reforça a importância do discernimento. Em outras palavras, Jesus está dizendo: “Evangelize, sim, mas com prudência”.

O próprio Jesus, diante da dureza de coração de alguns fariseus, silenciou ou falou em parábolas, pois sabia que eles não estavam dispostos a escutar de verdade (cf. Mateus 13,13).

São João Bosco recomenda guardar silêncio quando não há motivo razoável para falar, especialmente diante de quem não aceita a verdade, para preservar a paz interior e a integridade espiritual.

São João Crisóstomo estabelece a seguinte regra:

“Só quando o falar for mais proveitoso que o calar-se é que se deve falar” (In Ps. 14).

Essa prudência também aparece em outros momentos do Novo Testamento. Por exemplo:

  • Jesus orienta os apóstolos: 

“Se alguém não vos receber, nem escutar vossas palavras, saí daquela casa ou daquela cidade e sacudi a poeira dos vossos pés.” (Mt 10,14)

  • São Paulo, ao instruir Timóteo: 

“Evita as discussões tolas e descabidas, sabendo que geram rixas.” (2Tm 2,23)

Aplicações práticas para hoje

1. Nem todo debate é frutífero

No mundo atual, especialmente nas redes sociais, muitos cristãos sentem-se impulsionados a defender a fé a qualquer custo. No entanto, entrar em debates com pessoas que zombam da fé, ironizam os valores cristãos ou buscam apenas provocar pode ser um desperdício de energia espiritual. Como ensinou Jesus, devemos saber quando é hora de falar e quando é hora de silenciar.

2. Não banalizar o sagrado

Aplicar esse versículo também nos ajuda a refletir sobre como tratamos os sacramentos, a liturgia, a oração e os símbolos da fé. Levar o sagrado de forma superficial, ou compartilhá-lo com quem manifesta desprezo, é uma forma de lançar pérolas aos porcos.

3. Evangelizar com discernimento

Evangelizar não é forçar. O próprio Deus respeita a liberdade de cada pessoa. Quando encontramos resistência, escárnio ou blasfêmia, o mais sábio pode ser testemunhar com o silêncio, com a caridade e com a oração, esperando que o Espírito Santo toque o coração daquela pessoa no tempo certo.

O Catecismo e a tradição da Igreja

O Catecismo da Igreja Católica reforça essa dimensão do respeito ao sagrado:

“[…] os sacramentos atuam ex opere operato (literalmente: ‘pelo próprio fato de a ação ser realizada’). […] Contudo, os frutos dos sacramentos dependem também das disposições daquele que os recebe.” (CIC, 1128)

Ou seja, embora o poder de Deus esteja presente no sacramento, ele exige do fiel uma abertura interior para que produza frutos autênticos. O sagrado não é magia automática, mas dom que exige fé viva e acolhimento sincero.

Embora o Catecismo trate aqui dos sacramentos, o princípio é o mesmo: há uma disposição interior necessária para receber o que vem de Deus. Não basta anunciar, é preciso perceber se o outro está pronto para acolher.

A advertência de Jesus em Mateus 7,6 é, acima de tudo, um chamado à prudência, ao respeito pelo sagrado e ao discernimento evangelizador. As pérolas do Reino não são para serem pisoteadas, mas acolhidas com fé, reverência e amor.

Evangelizar é lançar sementes — mas é preciso saber onde e quando plantar, como nos ensina a parábola do semeador (Mt 13). Se o coração do outro é ainda um solo endurecido, cabe a nós rezar, amar e esperar — e nunca jogar fora as preciosas pérolas que o Senhor nos confiou.

Thiago Zanetti

Por Thiago Zanetti
Jornalista, copywriter e escritor católico. Graduado em Jornalismo e Mestre em História Social das Relações Políticas, ambos pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). É autor dos livros Mensagens de Fé e Esperança (UICLAP, 2025), Deus é a resposta de nossas vidas (Palavra & Prece, 2012) e O Sagrado: prosas e versos (Flor & Cultura, 2012).
Acesse o Blog: www.thiagozanetti.com.br
Siga-o no Instagram: @thiagoz.escritor




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